sábado, 27 de junho de 2009

Casca vazia

Me sinto vazia, oca, incompleta, falta alguma coisa em minha vida e não sei ao certo o que. Talvez alguém especial com quem eu possa partilhar meus momentos, sejam eles tristes ou alegres. Talvez falte alguma motivação, algo que me faça seguir em frente, erguer a cabeça, acordar de manhã e sorrir ao encarar um novo dia. Não sei ao certo, mas percebo que o vazio me domina, a falta de entusiasmo, de disposição. Olho para minha imagem refletida no espelho, nada me agrada, nem o corte de cabelo, o formato do rosto, cor dos olhos, sorriso, minhas formas ou até mesmo minha unha, tudo me incomoda. Minha profissão também não me agrada, me recordo de quando a iniciei, perfeita, parecia preencher todos os meus sonhos, mas agora, me sentindo tão vazia no interior ela me parece também vazia.

Sento em frente ao computador, sei que devo entregar mais um conto ao final do dia, mas hoje é um daqueles dias em que nada flui, nada parece dar certo, a inspiração me foge, simplesmente não tenho o que dizer, não tenho o que escrever. Me é impossível ser puramente profissional, sempre deixo minhas marcas onde escrevo, o sentimento que corre em mim se transborda tomando minhas mãos, a caneta, o papel. Textos são sempre meu ser, aumentado, exagerado, mas essencialmente eu, eu por completo, por inteiro.

Já escrevi contos alegres ou tristes, contos diversos das mais diferentes formas, porém o que sempre foi comum a todos foi o auto-retrato. Em cada linha estou eu, purinha, por inteiro me oferecendo e esperando ser decifrada por qualquer alma que se interesse. E nesse momento, com o prazo terminando, o tempo escorrendo, o fim do dia se aproximando me pego vazia, nua, sem sequer um sentimento que possa se extravasar, transbordar, encher a folha que cisma em continuar branca contrariando minhas expectativas. Assuntos passam em minha cabeça, correm, não se detém tempo suficiente para se tornar um texto. Reconheço temas já utilizados, sofrimentos passados, já vividos e explorados, nada novo, nada que possa render algo inédito já não escrito por mim.

Me sinto como uma casca vazia, sem recheio e isso me incomoda. Estranho, mas me perturba mais do que as lágrimas, os sofrimentos, feridas abertas que sangram. Sangrando me sinto viva, a dor lancinante sempre é real e nos faz ver quão injusto e sofrido é o mundo, nos faz ver a vida pintada de cores sóbrias, escuras, um quadro melancólico que se desenha e redesenha a cada passo que damos. Sofremos ao ver a felicidade alheia, percebemos o quanto todos são felizes, quantas pessoas vivem isoladas em seus mundos cor-de-rosa, o quanto são insensíveis por nos abandonar nesse mundo tão sombrio. Amigos simplesmente desaparecem, nenhuma mão amiga esta por perto para nos erguer, teremos que lutar sozinhos, lutar. As forças já se esvaíram nos impedindo de lutar, não possuímos mais nenhuma arma ou todas as que possuímos são de conhecimento do inimigo, estamos isolados, jogados em um canto, sofrendo, sangrando, se esvaindo em lagrimas, sozinhos.

No outro extremo se a felicidade nos invade somos capazes de ver beleza em cada esquina, cores alegres parecem explodir no quadro da vida, tons pastéis se tornam vivos como as cores do arco-íris, sorrisos brotam de todos os lábios, acenos surgem em cada transeunte. A vida é bela a alegria toca nossos corações, canções surgem em nossas mentes, nos tornamos pessoas solidárias, desejamos simplesmente que todos no mundo compartilhem de nossa alegria, que a tristeza não mais exista, agora nós nos vemos no tal mundo cor-de-rosa outrora odiado e de nossas mentes surgem poemas, músicas, contos. A imaginação está fértil, todos merecem a felicidade inclusive os frutos de nossa imaginação.

Se nada nos aflige e tampouco alegra vemos o mundo como uma tela branca, talvez preta, acho que cinza, cinza como o céu nublado, como um borrão de tinta, cinza. Há coisa mais broxante que uma tela cinza? Uma tela marrom ou bege talvez, talvez a tela possa ser marrom ou bege, a cor não importa tanto, depende do gosto do freguês, mas o que independe é a nulidade, a cor morta que se mostra e toma toda nossa visão. A cor que não muda por mais que andemos, por mais que mudemos de cenário. Esse vazio nos entranha na alma, no espírito, no coração. Um vazio que não chega a machucar, não causa sofrimento, mas tampouco permite a volta da alegria, apenas vazio. Como uma concha vazia e sem sentimentos poderia preencher uma folha de papel com palavras, histórias, como alguém que já não mais possui vida poderia ser capaz de prover vida a outros personagens? Assim o vazio toma conta de mim me impedindo de prosseguir meu trabalho, me impedindo de riscar o lápis formando letras, palavras, frases, idéias.

O tempo ainda corre, passam-se os segundos, minutos, horas, o tempo é cruel e não para quando precisamos. Quero apenas um sentimento, uma alegria ou tristeza, algo que brote de dentro de mim, de dentro para fora, é assim que escrevo, assim que gosto de escrever. Mas a vida sempre se mostra alheia à nossa vontade, ao nosso desejo, nenhum sentimento milagroso me surge, nada que possa salvar meu trabalho, nada que me inspire e preencha as folhas de papel que continuam em branco na minha frente.

Eis então que a falta de inspiração me inspira (concordo que essa frase iniciada com eis então está bastante clichê, mas realmente passa a idéia de um sopro, um vento, algo que passou por mim e acabou solucionando meus problemas). Me decido por escrever sobre ela, escrever sobre o nada, a nulidade, a folha em branco. O texto flui, provando mais uma vez minha falta de profissionalismo, provando que escrevo apenas o que me é familiar, o que me marca, o que entendo, o que sinto, o que me transborda.

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